Depois de um tradicional burger no bar Lebowski decidimos sair as 21hs para o parque Nacional de Thingvellir. Já no caminho a magnetosfera já se mostrava saliente, e certamente já havia uma Aurora tímida no céu. Bastava procurar. Abri a janela, não toda, apenas o necessário para os olhos não receberem o reflexo dos vidros, porém o suficiente para congelar todos os viajantes que a aquela altura tentavam limpar os vidros traseiros do embaçado ofegante para procurar uma pequena sombra no céu.
Não via uma estrela, mas segui porque olhar a densidade e direção de uma nuvem na escuridão da ausência da lua pode ser complexo, fora isso devia estar a uns 60km/h ou mais e ainda tinha que prestar atenção na estrada. Encostamos e logo vimos mais dois veículos parados. – Deve estar rolando alguma coisa! – Desci pouco protegido contra frio e vento como costumo fazer nestes casos, devia fazer zero grau, e os poucos minutos que espero meus olhos se acostumarem à luz iam se estendendo, pois a toda hora um dos dois carros resolvia virar o motor para ligar o aquecedor e esquecia-se de desligar os faróis. Mentalmente (naõ descarto o verbalmente) eu dizia – Friorentozinho de merda! – e recomeçava minha conta olhando para um céu preto sem saber se eram nuvens ou meus olhos.
Eram nuvens! E quem conhece a Islândia sabe que ser meio Apache pode valer mais que confiar na previsão do tempo. Em tempo real o mapa do modelo matemático dizia que o céu estava limpo, mas ali na vida real, tinham derramado uma tinta preta no céu. O vento, de superfície pelo menos, me avisou que ia piorar porque depois que os olhos se acostumaram parecia que havia um portal intergaláctico trazendo um buraco negro vindo da direção do parque. – Fudeu! – Eu havia colocado maior banca resgatando e levando conosco uma brasileira que tinha ido por conta própria e em duas semanas não tinha ainda visto a Aurora Boreal.
Entramos no carro. Desliguei a previsão meteorológica. – Meteorologistas de merda! – Já considerava o vexame, mas como a gente conhece muito aquelas terras tínhamos que fazer acontecer no modo analógico, sem tecnologias, caçando Auroras Boreais pelo cheiro, e para piorar ainda tínhamos que arrumar um jeito de fugir daquele ceú ungido de tinta preta como quem foge do umbral.
Optamos pelo risco de atravessar a área metropolitana de Reykjavík em direção a Reykjanes. Demoraria pouco mais de uma hora de onde estávamos, era muito, as indicações que monitoram a atividade solar mudaram e a Aurora já estava quase ali, se fosse um parto a bolsa tinha rompido faz tempo, e atravessar a iluminada área metropolitana inteira era um tiro no pé! Mudança de planos, tínhamos que apostar e entregar a Aurora naquela noite!
Olhamos para o mapa, e decidimos que chegaríamos em 15 minutos para um cantinho especial que conhecemos, geralmente vazio e escruto, nada muito plástico, mas é um daqueles lugares que previsão do tempo nenhuma no mundo consegue mudar. Já foi para Trindade em Paraty e não choveu? É tipo isso só que ao contrário!
Ainda no caminho a sombra branca se forma no céu. Era a cabeça da criança vinda em parto normal! Aceleramos! Com tamanha decisão ao volante, e com o adesivo do Fora de Foco estampado na lateral percebo que algumas pessoas nos seguem. Aquela altura, eu que já havia colocado banca para a nossa nova cliente brasileira ainda carregava o sutil peso de mostrar aqueles stalkers nosso modus Apache operandi. Encosto o carro no breu, descemos com o céu cheio de estrelas entre algumas poucas nuvens, e então em segundos, como se nós tivéssemos apertado algum botão de sincronização, ela surge verde, aqua, rosa, fazendo uma imensa língua que cruza norte e sul. Parecia uma cúmplice sem vergonha, que depois de aumentar nossa estima de caçadores de Aurora e a nossa moral com o grupo, nos diz – Tá me devendo uma em parceiro!